Antes de falar de notas olfativas é preciso ao menos se ter uma noção básica sobre os métodos de extração de matérias-primas, que variam em alguns aspectos – não só na facilidade e no custo de obtenção de certos componentes, mas também no resultado do aroma. O método mais simples e barato é o da prensagem das cascas de frutas cítricas, cujo extrato é depois decantado. Para as demais matérias-primas, as opções mais comumente usadas são a destilação a vapor, a extração por solventes e a extração com CO2 supercrítico. O primeiro método foi introduzido na Espanha pelos árabes no século IX e depois adotado na França no século XIII, servindo para capturar os óleos essenciais que as plantas sintetizam e armazenam em células secretoras. Durante a Feira Internacional de Viena em 1873, foi apresentado o método de extração por solventes, que consiste em deixar materiais imersos em químicos como hexano e álcool etílico. Depois de algum tempo o solvente é recolhido e passa por evaporação para se obter o absoluto. Apenas como exemplo, pelo método da destilação a vapor são necessárias quatro toneladas de pétalas de rosas para cada quilo de óleo essencial, enquanto um quilo de absoluto requer apenas uma tonelada. A grande vantagem da extração por solventes é que, por trabalhar com baixas temperaturas, o aroma natural da matéria-prima acaba sendo melhor preservado. A extração com CO2 supercrítico é um método mais recente e consiste em deixar o dióxido de carbono sob uma pressão superior a 7,4 MPa e uma temperatura maior que 31o C, tornando-o um fluido capaz de preencher um recipiente como um gás, porém com a densidade de um líquido. Além de não gerar poluição, este método produz um absoluto com o aroma original da matéria-prima.
Enfleurage. Um dos grandes charmes da perfumaria é um método de extração chamado enfleurage (do francês “fleur” ou flor), inventado no sul da França no século XIX. Como o próprio nome diz, o método é empregado para se extrair o óleo de flores, tais como jasmim e tuberosa, cujas propriedades aromáticas seriam praticamente destruídas no processo de destilação a vapor devido ao calor. Existem dois tipos de enfleurage: a fria e a quente. A primeira consiste em besuntar uma tela de vidro com gordura animal e depois distribuir pétalas de flores uniformemente. Depois de alguns dias as pétalas são substituídas por outras frescas, e o processo se repete até que a gordura esteja saturada com óleo essencial. Na opção quente, a gordura animal sólida é aquecida e as pétalas são misturadas num caldeirão. Em ambos os casos, a gordura saturada com óleo essencial é chamada de pomada de enfleurage, que pode ser tanto vendida assim ou convertida em absoluto, usando álcool como meio de conservação. Neste caso, a gordura restante é utilizada para fazer sabões já que mantém parte da fragrância. Hoje em dia o método da enfleurage está praticamente em extinção por ser ineficiente e caro quando comparado a alternativas mais modernas como extração por solventes ou CO2 supercrítico.
Headspace. Imagine se houvesse uma câmera capaz de captar aromas? A técnica de headspace é mais ou menos isso: um equipamento captura o odor de um uma flor ou erva, e até mesmo materiais inorgânicos. Para que isso? A técnica de headspace consegue mapear quais são as moléculas responsáveis por produzir um determinado aroma, tornando possível sua reprodução em laboratório. Headspace contribuiu para o mapeamento das 400 moléculas presentes no jasmim e 500 na rosa no final dos anos 70 e hoje é bastante utilizada para extrair óleos essenciais e absolutos de certas plantas, seja pela sua raridade ou dificuldade de extração. Na maioria dos processos de extração, o odor natural de uma flor ou erva não é totalmente preservado devido a condições de pressão e temperatura, ou pela forma como as moléculas odoríficas são organizadas. Com headspace, a questão é solucionada, pois o aroma capturado é exatamente o que se sente in natura. Obviamente cientistas precisam remover substâncias restritas ou proibidas em perfumes, mas o mapeamento mostra o caminho para alternativas sintéticas. Além de poder capturar o aroma de qualquer coisa, esta técnica também pode captar o aroma de um ambiente. Imagine poder engarrafar o cheiro do seu restaurante favorito ou da casa da sua avó…
Almíscar ou musk. Originalmente o musk era 100% natural e
extraído das glândulas abdominais do veado almiscareiro. Propagado pelos povos
árabes há muitos séculos, seu odor é multifacetado: balsâmico, doce, lactônico,
polvoroso, animálico, especiado e amadeirado. O odor do almíscar natural é
comumente comparado ao da pele de um bebê recém-nascido. Devido à ameaça de
extinção do veado almiscareiro, a extração do produto natural foi
oficialmente banida, mas não totalmente extinta. Casas de fragrância investiram
na produção de moléculas sintéticas que produzissem o mesmo efeito de pele para
dar textura e volume a um perfume. O musk pode ser “limpo” (clean) ou
“sujo” (dark). Os primeiros têm um aspecto de maciez, limpeza e brilho,
enquanto os últimos podem variar de ambarados a animálicos. Apesar de algumas
fragrâncias serem totalmente compostas por almíscares, esta nota olfativa
geralmente é considerada a “manteiga” da perfumaria, usada para realçar uma
característica específica da composição ou para sustentá-la como um todo (nota
de base). Existem centenas de variações de musk e, além da
perfumaria, ele é amplamente usado em produtos funcionais como sabão em pó.
Âmbar e âmbar gris. Qual a diferença? A definição de âmbar no dicionário
é simplesmente “resina vegetal fossilizada”. Já na perfumaria, o conceito de
âmbar surgiu no final do século 19 com a invenção da vanilina (equivalente
sintético da baunilha). A partir daí convencionou-se que a combinação de
labdanum, estoraque e benjoim com vanilina formasse o acorde âmbar, que se
tornaria a espinha dorsal dos perfumes orientais. Tal acorde teria um odor
quente, encorpado, amadeirado, polvoroso e levemente doce, transmitindo
opulência, mistério e sensualidade. Uma fragrância ambarada é aquela construída
ao redor do acorde âmbar, podendo enfatizar tanto seu lado doce e cremoso como
seu lado salgado e seco. O uso de labdanum confere um tom amargo de couro,
benjoim um aspecto doce de caramelo e estoraque um toque picante de canela. Já
o âmbar gris (ou ambergris) é totalmente diferente. Uma das matérias-primas
mais caras da perfumaria e raramente utilizada, o âmbar gris é uma secreção
estomacal expelida pela baleia cachalote devido à má digestão de crustáceos
(principalmente lula). É comumente encontrado na forma sintética devido à
demora em encontrá-lo na praia depois de anos boiando no mar e sendo curado
pelo sol. O odor do âmbar gris é quente, radiante, macio, marinho e levemente
fecal.
Bergamota. Um dos mais antigos componentes da perfumaria, este fruto
cítrico é originário do sul da Itália (Calábria) e seu nome se deve à cidade de
Bérgamo. Embora seja também cultivada na Costa do Marfim, Argentina e Brasil, a
bergamota italiana produz um aroma de qualidade superior devido às condições
específicas do clima e solo em que cresce. A bergamota tem um aroma frutado
fresco e levemente especiado. Não é comestível (embora em algumas partes do
Brasil seja sinônimo de mexerica) e é cultivada apenas para extração de seu
óleo essencial (usado em perfumes, remédios e no chá Earl Grey). A bergamota
foi um dos componentes centrais para a criação da fragrância mais influente do
século 18, Aqua Mirabilis, que era inicialmente restrita à corte de Luís XV mas
que em 1792 deu origem à Eau de Cologne 4711. A função da nota de bergamota é
produzir o efeito fresco e efervescente de uma manhã de primavera ao nascer do
sol, seja como protagonista ou coadjuvante. Esta nota tem papel crucial nos
acordes fougère e chipre, trazendo vivacidade e luminosidade para ambos. Em
grande parte dos perfumes a bergamota aparece como nota de cabeça e funciona
muito bem para amenizar a pungência ou amargor de certas notas como couro e
musgo de carvalho.
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